Voltar Publicada em 11/06/2024 | Ouro Preto do Oeste

Deputada Silvia Cristina: “Temos que descentralizar a saúde”

Em entrevista exclusiva em Brasília, a deputada federal abordou as pautas que defende, incluindo o câncer e as dificuldades que enfrenta no mandato

Em 2018, Rondônia elegeu sua primeira deputada federal negra: Silvia Cristina (PL-RO). A política e jornalista escolheu como pautas prioritárias do seu mandato um olhar para a saúde e a assistência social, áreas que ela já havia defendido durante seu mandato como vereadora em Ji-Paraná (RO). Mas Silvia Cristina tornou-se conhecida por abraçar a causa do câncer, sendo inclusive membro da Comissão Especial sobre o Combate ao Câncer no Brasil, ajudando no tratamento dos pacientes com câncer, assegurando recursos para a infraestrutura e os equipamentos necessários.

Em Brasília, a deputada concedeu entrevista ao Futuro da Saúde. Ela falou sobre como o câncer tornou-se uma pauta prioritária para ela, o acesso a novas tecnologias, o olhar do Ministério da Saúde sobre o tema e a efetivação da Política Nacional de Prevenção e Controle do Câncer, que entra em vigor agora em junho. Sobre a nova política, demonstrou preocupação: “Eu não estou vendo bons presságios”. Outras causas que a deputada defende incluem as doenças renais e políticas públicas para o autismo.

A conversa faz parte de uma série de entrevistas realizadas pelo time do Futuro da Saúde em visita recente à Brasília. O link com todos os materiais pode ser acessado aqui.

Confira os principais trechos da entrevista a seguir:

Como o câncer se tornou uma pauta prioritária para a senhora?

Dep. Silvia Cristina – O câncer se tornou uma pauta principal para mim porque passei pela doença. Fui diagnosticada em 2006 e descobri na prática as dificuldades enfrentadas em Rondônia, na região Norte, em relação aos protocolos e tratamentos. Quando tive a oportunidade de ser curada, jamais imaginei que poderia entrar na política, pois essa ideia só surgiu seis anos após o meu tratamento. Para mim, foi uma missão. A partir de então, comecei a trabalhar como voluntária e fundamos o primeiro grupo de apoio aos contadores de câncer do estado de Rondônia, que está em atividade desde 2007. Depois, veio a política.

Como avalia a evolução do tratamento do câncer no Brasil?

Dep. Silvia Cristina – Evoluiu. Mas ainda não é o que o brasileiro merece. Merece mais. Por isso estamos aqui, nesta conduta da Comissão de Saúde que foi criada por nós. Antes, os assuntos de saúde eram discutidos em uma comissão chamada Seguridade Social, o que era terrível. Foi uma proposição nossa que resultou na criação da subcomissão, melhor, na Comissão Especial do Câncer. Assim, conseguimos acelerar essa discussão, mas queremos que as ações também cheguem rapidamente na ponta, para as pessoas.

Como o Congresso tem olhado para essa pauta?

Dep. Silvia Cristina – Aqui na Câmara Federal, especialmente no Congresso, acredito que é uma pauta muito sensível, mas que deveria ser mais prioritária. Nós poderíamos obter mais resultados, pois, como legisladores, somos responsáveis por criar projetos de lei que resultem no melhor para a população. Mas, de fato, isso está muito lento e isso me causa inquietude. Nós elaboramos, junto com a Comissão de Saúde, um texto da Política Nacional de Combate ao Câncer, que contém uma receita muito prática daquilo que gostaríamos que fosse uma atenção à prevenção. No texto, há o protocolo dos 30 e dos 60 dias, que já existe como lei, mas que, na prática, ainda está longe de ser implementado. Além disso, há algumas datas óbvias para a melhoria da reabilitação, que, na verdade, ninguém abordava antes em relação ao paciente com câncer, e também a parte de cuidados paliativos, que já está contemplada de forma abrangente.

Quais os maiores entraves?

Dep. Silvia Cristina – Todas as vezes que se fala em câncer aqui na Câmara, todo mundo é muito sensível, mas falta ainda muito mais união, zelo e sobretudo o governo federal, o próprio executivo dizer  “olha, nós realmente vamos cuidar disso”. O que eu tenho feito? Tenho tentado mostrar que é possível. Parlamento é falar, falar, mas não é só palavras que vão realmente levar a condição de um bom tratamento e de salvar vidas propriamente. Tenho levado isso a sério durante os cinco anos em que estive na Câmara. No próximo dia 21 de junho, estaremos inaugurando a terceira unidade dedicada a esse propósito. A primeira, dois anos atrás, foi o pioneiro centro de prevenção do câncer no estado de Rondônia, em Ji-Paraná, oferecendo serviços em quatro especialidades: mama, colo, pele e boca, que são os mais comuns na região. Implementamos também serviços de reabilitação, algo que antes não tínhamos. Os pacientes perdiam seus órgãos e, com dificuldade, precisavam vir até Brasília, ao SARAH. Isso era injusto para essas pessoas. Por isso, há um ano, começamos a oferecer esse tratamento e atendimento voltados para pessoas com deficiência, vítimas de câncer e também para aqueles que não são.

Qual seria a solução para a saúde?

Dep. Silvia Cristina – Penso que nós temos que descentralizar a saúde. Se não descentralizo e ainda continuo pedindo que essas pessoas caminhem 500 a 600 km, como estava acontecendo em Rondônia, essas pessoas não vão receber o atendimento necessário. Eu preciso levar esse serviço até elas. Nós estamos implementando mais um serviço, tipicamente resultado de emendas, que construímos em equipe e também garantimos o custeio. O que demonstramos com isso? Uma parlamentar conseguiu realizar, mas precisamos que o governo também abra os olhos e contribua com sua parte. Não apenas na produção, mas também na radioterapia. O governo federal paga, porém, o valor não é suficiente para garantir a melhor tecnologia. Para obtermos os melhores medicamentos e tratamentos, é necessário mais do que sensibilidade quando se trata do câncer. É colocar em prática e em funcionamento aquilo que nós sabemos: o investimento para a prevenção. A prevenção está muito aquém daquilo que poderíamos ter e, quanto ao tratamento, há falta de profissionais e medicamentos. Precisamos, por exemplo, de cerca de 250 novos Centros de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia (CACONs) para oferecer uma tranquilidade ao povo brasileiro, para que possam dizer: “Estamos um pouco mais assistidos”. No entanto, ainda não temos esse respaldo do governo federal. Precisamos desse apoio. Então, de fato, ainda temos um longo caminho a percorrer.

Quando falamos da parte de terapia oncológica, há uma distância entre o que entra na Conitec, e o que chega ao SUS. Conseguimos reduzir essa distância?

Dep. Silvia Cristina – É possível. Sempre digo que estamos aqui porque sonhamos com o melhor. Penso que a Conitec ainda trabalha muito lentamente. Não é uma crítica específica, apenas um incentivo para que possamos avançar mais rapidamente. Porque as audiências, fóruns e seminários são importantes, mas apenas ouvir não é suficiente. Recentemente participei de um requerimento do deputado Weliton Prado para regulamentação. Fiquei muito feliz. Como relatora da comissão, tudo ali estava muito bem, mas, na realidade, quando é que as medidas chegarão ao Sr. Manuel, à Dona Maria, na ponta, quando eles precisam? Sabemos que há necessidade de empenho financeiro e que ele existe e que é possível fazer, mesmo que não se tenha em sua totalidade, mas vamos começar a fazer. Porque é possível fazer e precisamos desse acalento. A Conitec tem feito um bom trabalho, que estamos acompanhando, mas de fato precisamos de mais rapidez.

Sobre o valor da APAC. De alguma forma você vê que o ministério está endereçando essa questão?

Dep. Silvia Cristina – Nós tivemos uma perda. Tínhamos um coordenador da área de câncer que era o Fernando Maia. Criou-se um departamento e eu fiquei muito feliz. Esses dias, falando com relação às máquinas de cobalto, que já estão proibidas há 10 anos no Brasil e no mundo, nós ainda temos alguns exemplares no Brasil, e o que se fala? “Não, mas o gestor pediu para nós, já que está tomando providências“. Mas essas providências já têm uma década. Então precisa apertar o cerco mesmo. Só uma crítica construtiva. Penso que ainda não fizemos o dever de casa. Precisamos caminhar mais rápido.

Nesse sentido também tem, em junho, a efetivação, em tese, da efetivação da Política Nacional do Câncer. Como você vê a atuação para essa lei sair do papel, efetivar na prática?

Dep. Silvia Cristina – Nós temos discutido em vários locais. O terceiro setor especialmente, que cuida dos pacientes, têm cobrado muito de nós porque eles participaram. Quando nós nos colocamos à disposição de fazer essa política, que foi na época da pandemia, convidamos todos os pares: Ministério, Tribunal de Contas, as entidades filantrópicas. Enfim, convidamos todos para que pudéssemos discutir. Nós tivemos uma aprovação unânime. Mas ainda não vejo um clarão para que eu fale: ‘Estamos nos aproximando de uma data, de um prazo para regulamentação e vemos bons presságios’. Eu não estou vendo bons presságios. O que estamos fazendo é discutindo, pedindo providências à Comissão de Combate ao Câncer para poder dar mais celeridade. Por isso que ela foi criada. Inclusive foi feita essa política, que o Governo Federal nos ajudou. Muitas coisas fizemos um acordo para que de fato nós saíssemos do papel e eles concordaram. Queremos que de fato aconteça. Eu quero acreditar que o Ministério da Saúde vai nos surpreender. Até porque tudo que está escrito ali foi também elaborado com o aval da Coordenação do Câncer. Esperamos essa atitude do Governo Federal para implementar na ponta esses serviços que estão muito aquém ainda.

Há outros projetos nos quais a senhora está trabalhando e que devem entrar em discussão nos próximos meses?

Dep. Silvia Cristina – Sim. Nós temos um projeto que está garantido. Vou citar alguns. Todos eles de certa forma estão na política. Por exemplo, um deles é o que garante tratamento oncológico quando as pessoas não encontram essas vagas no setor público. O público paga a vaga para que ela faça no privado. Então, ele não pode deixar de ter atendimento, mas tudo isso está descrito na política nacional de combate ao câncer. Outro é a questão nutricional, que é algo específico, se o paciente não estiver bem nutrido, ele não conseguirá passar por um tratamento de câncer. Já passei pela quimioterapia, que tira as forças. Se eu estiver fraco e já me tirarem as poucas forças que tenho, não vai funcionar. O que estava regulamentado no Ministério da Saúde, inclusive falei diretamente com a ministra, era que somente os hospitais universitários teriam a oportunidade de fazer isso. Mas e os outros, como fica? Então, garantir a nutrição dessas pessoas, que às vezes não custa mais do que 20 reais, é assegurar realmente que elas consigam passar um pouco mais fortalecidas por esses medicamentos que são tão intensos para o tratamento. Tem vários projetos, mas nós acoplamos tudo para que a política ficasse bem embasada. Foi essa nossa pretensão.

senhora também tem algum olhar para as doenças renais agora?

Dep. Silvia Cristina – Tenho. Na verdade, somos motivados por alguma coisa específica. Eu perdi um amigo, e ainda estamos muito aquém do que precisávamos ter para as pessoas que necessitam de diálise ou hemodiálise. Existe a peritoneal, onde as pessoas fazem em casa, e custa menos do que ir às clínicas. Sabemos que é lamentável que essas pessoas não tenham condições de ir. Alguns municípios ou estados pagam o transporte, mas são em vans, algumas bem desconfortáveis, e nem todos os serviços estão disponíveis em suas cidades. Então, se eu conseguir regulamentar a peritoneal para que as pessoas façam em casa durante a noite, dando qualidade de vida e possibilitando que elas trabalhem, e sabendo que os custos são muito menores, por que não garantir? Será que é porque a maioria dessas clínicas é mantida pela rede particular? Não tenho nada contra. Penso que podemos contratar serviços, mas desde que também ofereçamos o melhor em termos de qualidade para essas pessoas. Entretanto, muitas vezes o poder público foge de sua responsabilidade, prefere pagar mais e escapar de suas obrigações, o que também dificulta o acesso dessas pessoas.

Nos últimos anos, houve um crescente movimento em torno das doenças raras e do autismo. A senhora também observa e acompanha essas pautas?

Dep. Silvia Cristina – Sim, temos uma comissão na saúde dedicada ao autismo, uma pauta que considero prioritária. Nunca vi um número tão alto de casos, e é fundamental contribuirmos. As emendas na área da saúde são essenciais, especialmente para questões como o fechamento de diagnósticos, uma das maiores dificuldades enfrentadas pelas pessoas. Há poucos dias, uma criança foi diagnosticada com autismo em nosso centro de reabilitação, mas, na verdade, tratava-se de perda de audição. Ainda estamos lutando para aprimorar esses protocolos, garantindo diagnósticos precisos e facilitando o tratamento. As doenças raras e o autismo devem receber prioridade. Houve alguns avanços, mas ainda há muito a ser feito na prática. Atualmente, nosso centro de reabilitação acompanha crianças com autismo severo, mas infelizmente, as que têm autismo leve não recebem o mesmo suporte. Os municípios ainda estão muito aquém. Não possuem uma política específica para realizar esse acompanhamento. Existem muitos centros e agora está se tornando quase uma tendência, as próprias mães estão se organizando para formar suas associações, as AMAS, Associações de Mães com Crianças Autistas, e isso tem gerado resultados significativos. Mas como sempre destaco, embora a sociedade possa se organizar, o peso maior, o ônus principal deve ser assumido pelo poder público, caso contrário, a situação se torna muito complicada. Eles podem receber nossa ajuda como ente público, mas é o poder público que deve tomar a frente e assumir aquilo que é de sua responsabilidade.

E você tem acompanhado a situação dos pacientes oncológicos impactados pelas enchentes no Rio Grande do Sul?

Dep. Silvia Cristina – Estamos conversando com o conselho de radioterapia. As máquinas de radioterapia estão debaixo d’água. Estamos esperando a água baixar para determinar a força-tarefa necessária para resolver a situação. Essas pessoas estão sem fazer radioterapia. Se o paciente interrompe as sessões por mais de três dias, o tratamento precisa ser reiniciado. Isso vai causar tumulto no tratamento dos pacientes. Será necessária uma força-tarefa ali.

Fonte: assessoria