Voltar Publicada em 11/01/2022

Para ter joia, Palmeiras investiu em família e venceu disputa com rivais

Verdão empregou o pai no próprio clube e custeou casa para a família, vencendo a concorrência para contar com Endrick

Quando vídeos de um menino de 10 anos apresentando dribles desconcertantes e marcando uma enxurrada de gols em campeonatos infantis de escolinhas de futebol em Brasília (DF) começaram a aparecer no celular de seus amigos, Douglas Ramos Sousa teve a certeza de que seu filho era uma joia rara a ser lapidada. Cinco anos se passaram e, mesmo com a pouca idade, Endrick já é tratado como uma das maiores revelações atuais do futebol brasileiro. E a história da criança humilde de Valparaíso, no Cone Sul do Distrito Federal, só está começando.

Com quatro gols nas duas primeiras partidas do Palmeiras na Copa São Paulo de juniores, sendo que no último desses jogos entrou apenas no intervalo, e já treinando com a equipe profissional palmeirense, o atacante está sendo reverenciado mundo afora. Seja por ex-jogadores — como o inglês Gary Lieneker —, seja pela imprensa — nesta segunda-feira (10), foi notícia em todos os jornais esportivos da Espanha. Os torcedores não escondem o entusiasmo com a joia alviverde e muitos pedem a sua escalação como centroavante. Função para a qual a contratação de uma peça era vista como essencial pelo técnico Abel Ferreira.

O momento de Endrick, dono de 168 gols em 171 partidas, sendo 69 deles em torneios oficiais organizados pela FPF ou pela CBF, coroa a parceria entre a diretoria e o pai do atacante.

Isso porque lá em 2016, ciente da qualidade do filho, encantado com as opiniões dos professores e assustado com a admiração que o menino ganhara com os vídeos, Sousa decidiu apostar tudo. O pai dele chegou a jogar no amador do Distrito Federal e ter um atleta na família seria o destino. Largaria o emprego e ficaria perto de Endrick para acompanhar seu crescimento pessoal, o que considera fundamental para o filho manter o foco.

"Era a única coisa que pedi, que a família dele pudesse acompanhá-lo", disse ele ao jornalista Jorge Nicola.

Com a repercussão dos lances de Endrick, achou que haveria grande disputa. Não foi o que aconteceu. Sousa rodou todas as escolinhas oficiais dos grandes clubes na capital federal. Sete responderam. Dessas, três ofereceram suas dependências brasilienses para que ele treinasse. Só os quatro grandes de São Paulo foram além.

Os vídeos da joia já haviam sido mapeados pelo staff da base palmeirense. Quando foram avisados pelos olheiros de Brasília que o pai procurava um clube para o filho, o Verdão correu. Mandou um representante à cidade e aceitou as condições: moradia para a família na capital paulistana, estudo para Endrick e, o mais importante, um emprego no próprio clube para o pai ficar próximo do filho, como queria.

Sousa recorda que dias depois da visita do olheiro do Verdão, os rivais lhe responderam, deixando claro que o Palmeiras era para ser seu destino. Segundo ele, Corinthians e São Paulo ofereceram apenas a ajuda de custo mensal aos garotos, de cerca de R$ 150. O Santos ofertou um teste, mas Endrick teria que ir por conta própria à Baixada Santista.

"A história do Endrick já diz tudo. O fato do Palmeiras abrir as portas para o meu filho, deles terem me acolhido e me dado um serviço, de permitirem ao meu filho disputar uma Copinha com 15 anos. Por isso tudo eu tenho que demonstrar gratidão ao clube, pela oportunidade de, não só o meu filho, mas toda a família realizar um sonho. Temos nossos princípios e a gratidão está acima de tudo. Então a nossa vontade é o Endrick fazer história no Palmeiras. A gente não tem intenção nenhuma de sair. Nossa vontade é ficar no clube."

Sousa trabalhou por três anos como auxiliar de limpeza da Academia de Futebol. E ganhou do clube livre acesso a todas as partidas da base. A aproximação fez com que ele fosse adotado pelos atletas do elenco profissional. O ex-goleiro do clube Jaílson, por exemplo, pagou por um implante dentário. Felipe Melo ajudou o garoto a fechar contrato com uma fornecedora de material esportivo. Endrick virou uma espécie de mascote. E viu o investimento nele ser honrado. Sempre pulando etapas, a joia palmeirense participou das campanhas palestrinas em três categorias do Campeonato Paulista: sub-15, sub-17 e sub-20. Em todas o clube chegou até a decisão, com muitos gols dele, que, talvez por vingança pelo desprezo, tinha os rivais como as vítimas favoritas. Contra o Santos, por exemplo, chegou a marcar de bicicleta em plena Vila Belmiro, em 2017.

As façanhas emocionavam Sousa, que ainda tinha que lidar com as provocações de outros pais, que acusavam Endrick de ser "gato" — como é chamado o jogador que adultera a própria idade para ter vantagem física.

"Meu filho é gato sim, porque ele é muito bonito", brincou.

Embalado pela devoção dos palmeirenses, apaixonados pela sua nova revelação, e quebrando recordes, não há quem não veja Endrick já atuando pelo profissional neste ano. A data mais esperada pelo palmeirense no ano é 21 de julho. Afinal, será quando o atacante fará 16 anos e enfim poderá atuar pelo time profissional com um vínculo definitivo assinado.

"Lembro uma vez em que estava sentado no sofá. Ele pediu: 'Pai, eu quero comer'. Não tinha nada na geladeira, não tinha nada no armário. Ele pedindo, pedindo e pedindo, disse que não tinha nada. Eu comecei a chorar, ele também. Ele falou: 'Pai, você pode deixar, eu vou ser jogador de futebol e vou tirar a gente dessa dificuldade", disse Sousa.

Fonte: R7

Fotógrafo: LANCE/reprodução